CANNES 2012 –
DIA 20 DE MAIO
Dia 20 de Maio, foi dia do novo filme de Michael Haneke, ‘Amour’, que marca o regresso do cineasta a Cannes depois de
ter vencido a Palma de Ouro com ‘O Laço Branco’ em 2009.
‘Jagten’ foi outra das exibições do dia. Esta marca o regresso de Thomas Vinterberg, que criou juntamente com Lars Von Trier o movimento Dogma 95, que valoriza a interpretação naturalista, não existindo uma pós-produção.
‘Jagten’ foi outra das exibições do dia. Esta marca o regresso de Thomas Vinterberg, que criou juntamente com Lars Von Trier o movimento Dogma 95, que valoriza a interpretação naturalista, não existindo uma pós-produção.
‘AMOUR’
Georges e Anne são octogenários, são pessoas
cultas, professores de música reformados. A filha, igualmente música, vive no
estrangeiro com a família. Um dia, Anne é vítima de um acidente. O amor que une
este casal vai ser posto à prova.
Com cerca de duas horas de duração, ‘Amour’
nunca vira costas à maldade do envelhecimento, de perdermos lentamente a noção
da realidade e de quem somos. Mas este é o tipo de filme que só consegue ser
bem sucedido se existir um total compromisso por parte do elenco. Jean-Louis
Trintignant e Emmanuelle Riva têm duas das melhores interpretações deste
Festival de Cannes. Maravilhosamente filmado por Darius Khondji e
magistralmente realizado por [Michael] Haneke, a entrega à narrativa pode ser
demais para algumas pessoas. ‘Amour’ é o trabalho de um
cineasta que não tem medo de levantar grandes questões sobre a natureza humana.
Amour’ é um filme sobre amor e a vida, e todas as tragédias e milagres com que
nos deparamos enquanto cá estamos. Um grande artista consegue alterar
permanentemente a nossa visão da vida, e Haneke consegue esse feito. Ele pega
numa palavra e explica-a brilhantemente, com a mesma magia e delicadeza com que
captura algo selvagem que voou por uma janela.
‘JAGTEN’
Após um divórcio difícil, Lucas, quarenta
anos, tem uma nova namorada, um novo trabalho e aplica-se na reconstrução da
sua relação com Marcus, o filho adolescente. Mas há algo que não corre bem.
Quase nada. Uma observação passageira. Uma mentira fortuita. E quando a neve
começa a cair e as luzes de Natal se iluminam, a mentira espalha-se como um
vírus invisível. O estupor e a desconfiança propagam-se e a pequena comunidade
mergulha na histeria colectiva, obrigando Lucas a lutar para salvar a vida e a
dignidade.
‘Jagten’ tem pistas de ‘Cães de Palha’ e de
‘Dogville’ no seu retrato da histeria em grupo. Mas claro que regressa aos
temas abordados em ‘Festen’: como a família e a comunidade, que supostamente
nos protege do caos e infelicidade, conseguem virar-se uns contra os outros. A
interpretação de Mikkelsen é totalmente convincente e plausível, transformando
‘Jagten’ num insuportável thriller dramático. A cinematografia de Charlotte
Bruus Cristensen está estrondosa, e Mikkelsen, possivelmente mais conhecido
pelo seu papel de vilão em ‘Casino Royale’, mostra o excelente ator que é. As
comparações entre ‘Jagten’ e ‘Festen’ são simplesmente inevitáveis – ambos
abrangem temas de abuso sexual e a força dos boatos, mas a maior diferença está
na forma como ambas as histórias estão construidas. ‘Jagten’ é um filme que vai
ficar comigo muito depois de escrever esta crítica; irá assombrar-me durante
dias com a sua natureza descomprometida. Um filme angustiante e fascinante, que
está magnificamente contado, capturado e interpretado. Se dúvida o melhor filme
de [Thomas] Vinterberg desde ‘Festen’.
CANNES 2012 –
DIA 21 DE MAIO
No sexto dia do Festival de Cannes, dia 21 de
Maio, foi exibido o novo filme de Abbas Kiarostami, ‘Like Someone in Love’, que regressa a Cannes depois de em
2010 ter estado em Competição com ‘Cópia Certificada’ –
que venceu o prémio de Melhor Atriz. Hong Sang-soo regressa
pela oitava vez ao Festival de Cannes, com ‘Da-reun na-ra-e-suh’ (‘In Another Country’), que desta
vez compete pela Palma de Ouro.
‘LIKE SOMEONE
IN LOVE’
Um velho e uma jovem encontram-se em Tóquio.
Ela não sabe nada dele, ele pensa conhecê-la. Ele abre-lhe a casa, ela
propõe-lhe o seu corpo. Mas nada o que se tece entre eles no espaço de vinte e
quatro horas tem a ver com as circunstâncias deste encontro.
‘Like Someone in Love’ é outra história
de amor, relacionamentos e identidade, onde até metade do filme parece uma versão
morna de ‘Cópia Certificada’, até acabar por perder um pouco o controle. Kiarostami passa o filme a brincar com a ideia
de imagem e identidade, mas infelizmente ‘Like Someone in Love’ não tem a
profundidade intelectual de ‘Cópia Certificada’. O filme é muitas vezes belo de
se ver, mas existe um limite no que toca a cenas onde as personagens andam de
carro. Enigmático e aborrecido até graus desesperantes, ‘Like Someone in Love’
vê Kiarostami a patinar.
‘DA-REUN
NA-RA-E-SUH’
Num país que não é o seu, uma mulher que não
é ao mesmo tempo verdadeiramente a mesma nem verdadeiramente a outra,
encontrou, encontra e encontrará no mesmo local as mesmas pessoas que a farão
viver a cada uma das vezes uma experiência inédita.
Existem duas maneiras de ver ‘Da-reun
Na-Ra-e-suh’: como três curtas-metragens separadas que por coincidência se
passam na mesma cidade e tem sempre uma mulher chamada Anne (Isabelle Huppert).
Outra das formas, que pode não ser aparente até ao fim do filme, é que as
histórias se passam todas ao mesmo tempo, dando a ideia de que as Annes que
surgem são a mesma pessoa, um mulher que está a aprender a lidar com perdas que
foi encontrando na vida. ‘Da-reun Na-Ra-e-suh’ é um filme que irá inspirar
debates e conversas. Nada é transparente – tirando a forma como as personagens
interagem umas com as outras – e a audiência tem que chegar às suas próprias
conclusões. ‘Da-reun Na-Ra-e-suh’ é um filme calmo, mas que irá deixar a
audiência a pensar e moer a ideia de personalidade e perda.
CANNES 2012 –
DIA 22 DE MAIO
‘Killing Them Softly’ de Andrew Dominik – que inicialmente se intitulada ‘Cogan’s
Trade’, foi exibido ontem, dia 22 de Maio, no Festival de Cannes. ‘The Angels’ Share’ é o novo filme de Ken Loach, que já é um dos habituais nos Festivais de Cannes.
Em 2006 venceu a Palma de Ouro com ‘The Wind That Shakes the Barley’; esteve presente em 2009 e
2010 na secção Em Competição, com ‘Looking for Eric’ e ‘Route Irish’.
‘KILLING THEM
SOFTLY’
Quando um jogo de poker ilegal é
desmantelado, é todo o mundo de níveis baixos da cambada que fica ameaçado. Os
grandes da Mafia recorrem a Jackie Cogan para encontrar os culpados. Mas entre
comanditários indecisos, burlões, assassinos cansados e os que tramaram, Cogan
vai ter problemas em manter o controlo de uma situação que degenera…
Este é um daqueles filmes que se vai
revelando por camadas – violência com muito estilo, diálogos penetrantes, e o
ocasional banho de sangue, um pouco à Scorsese. Mas nunca foi intenção
assemelhar-se a um filme de Scorsese, ou de Tarantino – apesar das cenas
iniciais nos obrigar a fazer tais comparações. A surpresa é que o filme acaba
por não ser nada esse género. Este não é um filme sobre violência furtuita e
disparatada. Nem é um filme sobre a máfia. É um filme sobre terminarmos o nosso
trabalho, de forma rápida e suja, tudo por uma recompensa choruda. No fundo é
um declamação raivosa sobre o estado atual dos Estados Unidos.
‘THE ANGELS’
SHARE’
Em Glasgow, Robbie, um jovem pai de família,
é constantemente apanhado pelo seu passado de delinqüente. Cruza o caminho de
Rhino, de Albert e da jovem Mo quando, como eles, escapa por pouco à prisão,
sendo no entanto punido com uma pena de trabalhos de interesses gerais. Henri,
o educador que lhes foi atribuído, torna-se então o seu novo mentor iniciando-os
secretamente… na arte do whisky! De destilarias a sessões de provas selecionadas,
Robbie descobre em si um talento real de provador, conseguindo identificar
pouco depois as colheitas mais excepcionais, mais caras. Com os seus três
camaradas, será que Robbie se vai contentar em transformar este dom em burla,
uma etapa a mais na sua vida de pequenos delitos e de violência? Ou em novo
futuro, cheio de promessas? Só os anjos o sabem...
A mais recente colaboração de Ken Loach com o
argumentista (roteirista) Paul Laverty é divertida, calorosa e de boa natureza.
Loach tem um registro cômico – com mais piada que ‘Looking for Eric’ – que não
recorre ao cinismo ou à ironia. Em muitas maneiras, este é o seu filme mais
calmo e bem sucedido dos últimos anos. ‘The Angels’ Share’ poderá servir como
companheiro de ‘Sweet Sixteen’, ou mesmo do seu clássico mais antigo, ‘Kes’. Em
certos aspectos, ‘The Angels’ Share’ é um road movie, mesmo que sejam as
personagens que sobressaiam mais nessa jornada. O toque pessoal de
Loach permite que o filme nunca pareça encenado. ‘The Angels’ Share’ tem similaridades com
‘Looking for Eric’ – tem aquela qualidade humana que é a sinceridade, e
personagens que nós queremos desesperadamente que sejam bem sucedidas, apesar
de alguns atos errados e más decisões. As interpretações estão fabulosas –
Brannigan é um protagonista encantador, que a audiência vê a crescer ao longo
do filme.
CANNES
2012 – DIA 08
No dia 23 de Maio, o oitavo dia do Festival
de Cannes, foi dia de ‘On The Road’, esperado filme de Walter Salles que adapta o famoso romance de Jack
Kerouac. ‘Io e Te’ foi outro dos filmes exibidos, e que marca o
regresso de Bernardo Bertolucci – que já não realizava desde ‘The Dreamers’ de 2003.
‘ON THE ROAD’
Bem
feito, mas vazio, ‘On the Road’ consegue capturar o espírito da américa dos
anos 40, num filme centrado numa viagem pelo país, com cigarros, sexo, bebida e
roubo de comida e gasolina. Infelizmente como narrativa tem muito pouco a
dizer. O resultado entediante desta adaptação do famoso romance de Jack Kerouac
é infeliz, mesmo tendo em conta a cinematografia fabulosa de Eric Gautier, a
realização de Walter Salles e as interpretações de topo. De uma forma geral,
este não é um grande filme. É repetitivo e entediante, uma cena atrás da outra,
acabando por não existir distinção, muito diferente de outro road movie, Into
the Wild, dirigido magistralmente por Sean Penn.
Se
existe alguma coisa que afeta ‘On the Road’, é sem dúvida que o filme está
repleto de cenas – sexo, drogas, ser livre – que são muito mais gratificantes
se formos nós a fazê-las, do que visualizá-las na tela do cinema. A fotografia
de Eric Gautier (‘Into the Wild’, ‘A Christmas Tale’) é fabulosa, mas passado
algum tempo o filme parece-nos como qualquer outro road movie – não interessa o
quão bonito é o cenário, eventualmente vamos querer sair do carro. [Walter] Salles pode ter conseguido fazer uma
adaptação fiel do romance de Kerouac, mas com o passar do tempo começamos a
desejar por uma adaptação menos fiel e uma história mais cinemática.
‘IO E TE’
Lorenzo é um jovem solitário de 14 anos,
diferente dos outros. Vai enganar os pais e faltar a uma viagem escolar de
esqui para realizar o sonho de se esconder numa cave abandonada do prédio onde
mora. Durante toda uma semana, poderá finalmente evitar todos os conflitos e as
pressões e comportar-se como um adolescente “normal”. Quer viver no isolamento
total com a sua música e livros preferidos. Mas a chegada inesperada da
meia-irmã Olivia vai mudar tudo. Ela é mais velha e tem a experiência do
mundo. O tempo que vão passar juntos vai inspirar Lorenzo, que um dia poderá
dizer adeus à sua vida de miúdo e lançar-se na confusão da vida dos adultos.
Bertolucci
continua um elegante artesão. A luz nítida e texturizada de Fabio
Cianchetti, bem como a produção de Jean Rabasse, dá vida e densidade a
este espaço confinado. A inquieta banda sonora de Franco
Piersanti é bem entremeada com músicas de The Cure, Red Hot Chili Peppers,
Arcade Fire e David Bowie. Apesar de ser recompensador ver que Bertolucci
regressa com algo significativo, este é um filme que adiciona pouco significado
há já muito viajada estrada cinematográfica da solidão e confusão juvenil.
Bertolucci,
bem como os atores Antinori e Falco, traçam uma relação tocante e crescente que
se vai desenvolvendo: não existe uma grande amizade, não são amantes – mas
estranhos aliados contra a infelicidade que o mundo lhes oferece. A última
imagem é possivelmente um aceno a Truffaut, apesar do final como um todo ser um
pouco apressado. Este espirituoso e forte filme de Bertolucci mostrou a Cannes
que ele ainda é uma força a ser reconhecida.
E os
primeiros vencedores estão sendo anunciados. O júri da 51ª edição
da Semana da Crítica de Cannes,
liderado por Bertrand Bonello, apresentou os vencedores deste ano, com destaque
para o filme ‘Aquí y Allá’, que venceu o Grande Prémio.
LONGAS-METRAGENS
Prémio Visionário
‘Sofia’s Last Ambulance’, de Ilian Metev
‘Sofia’s Last Ambulance’, de Ilian Metev
Prémio SACD
‘God’s Neighbours’, de Meni Yaesh
‘God’s Neighbours’, de Meni Yaesh
Prémio ACID/ CCAS
‘Los Salvajes’, de Alejandro Fadel
‘Los Salvajes’, de Alejandro Fadel
CURTAS-METRAGENS
Menção Honrosa
‘O Duplo’, de Juliana Rojas
‘O Duplo’, de Juliana Rojas
Prémio Canal+
‘Circle Line’, de Shin Suwon
‘Circle Line’, de Shin Suwon
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