sexta-feira, 25 de maio de 2012


CANNES 2012 – DIA 20 DE MAIO

Dia 20 de Maio, foi dia do novo filme de Michael Haneke‘Amour’, que marca o regresso do cineasta a Cannes depois de ter vencido a Palma de Ouro com ‘O Laço Branco’ em 2009.
‘Jagten’ foi outra das exibições do dia. Esta marca o regresso de Thomas Vinterberg, que criou juntamente com Lars Von Trier o movimento Dogma 95, que valoriza a interpretação naturalista, não existindo uma pós-produção.

‘AMOUR’

Georges e Anne são octogenários, são pessoas cultas, professores de música reformados. A filha, igualmente música, vive no estrangeiro com a família. Um dia, Anne é vítima de um acidente. O amor que une este casal vai ser posto à prova.

Com cerca de duas horas de duração, ‘Amour’ nunca vira costas à maldade do envelhecimento, de perdermos lentamente a noção da realidade e de quem somos. Mas este é o tipo de filme que só consegue ser bem sucedido se existir um total compromisso por parte do elenco. Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva têm duas das melhores interpretações deste Festival de Cannes. Maravilhosamente filmado por Darius Khondji e magistralmente realizado por [Michael] Haneke, a entrega à narrativa pode ser demais para algumas pessoas. ‘Amour’ é o trabalho de um cineasta que não tem medo de levantar grandes questões sobre a natureza humana. Amour’ é um filme sobre amor e a vida, e todas as tragédias e milagres com que nos deparamos enquanto cá estamos. Um grande artista consegue alterar permanentemente a nossa visão da vida, e Haneke consegue esse feito. Ele pega numa palavra e explica-a brilhantemente, com a mesma magia e delicadeza com que captura algo selvagem que voou por uma janela.

‘JAGTEN’

Após um divórcio difícil, Lucas, quarenta anos, tem uma nova namorada, um novo trabalho e aplica-se na reconstrução da sua relação com Marcus, o filho adolescente. Mas há algo que não corre bem. Quase nada. Uma observação passageira. Uma mentira fortuita. E quando a neve começa a cair e as luzes de Natal se iluminam, a mentira espalha-se como um vírus invisível. O estupor e a desconfiança propagam-se e a pequena comunidade mergulha na histeria colectiva, obrigando Lucas a lutar para salvar a vida e a dignidade.

‘Jagten’ tem pistas de ‘Cães de Palha’ e de ‘Dogville’ no seu retrato da histeria em grupo. Mas claro que regressa aos temas abordados em ‘Festen’: como a família e a comunidade, que supostamente nos protege do caos e infelicidade, conseguem virar-se uns contra os outros. A interpretação de Mikkelsen é totalmente convincente e plausível, transformando ‘Jagten’ num insuportável thriller dramático. A cinematografia de Charlotte Bruus Cristensen está estrondosa, e Mikkelsen, possivelmente mais conhecido pelo seu papel de vilão em ‘Casino Royale’, mostra o excelente ator que é. As comparações entre ‘Jagten’ e ‘Festen’ são simplesmente inevitáveis – ambos abrangem temas de abuso sexual e a força dos boatos, mas a maior diferença está na forma como ambas as histórias estão construidas. ‘Jagten’ é um filme que vai ficar comigo muito depois de escrever esta crítica; irá assombrar-me durante dias com a sua natureza descomprometida. Um filme angustiante e fascinante, que está magnificamente contado, capturado e interpretado. Se dúvida o melhor filme de [Thomas] Vinterberg desde ‘Festen’.

CANNES 2012 – DIA 21 DE MAIO

No sexto dia do Festival de Cannes, dia 21 de Maio, foi exibido o novo filme de Abbas Kiarostami‘Like Someone in Love’, que regressa a Cannes depois de em 2010 ter estado em Competição com ‘Cópia Certificada’ – que venceu o prémio de Melhor Atriz. Hong Sang-soo regressa pela oitava vez ao Festival de Cannes, com ‘Da-reun na-ra-e-suh’ (‘In Another Country’), que desta vez compete pela Palma de Ouro.

‘LIKE SOMEONE IN LOVE’

Um velho e uma jovem encontram-se em Tóquio. Ela não sabe nada dele, ele pensa conhecê-la. Ele abre-lhe a casa, ela propõe-lhe o seu corpo. Mas nada o que se tece entre eles no espaço de vinte e quatro horas tem a ver com as circunstâncias deste encontro.
‘Like Someone in Love’  é outra história de amor, relacionamentos e identidade, onde até metade do filme parece uma versão morna de ‘Cópia Certificada’, até acabar por perder um pouco o controle.  Kiarostami passa o filme a brincar com a ideia de imagem e identidade, mas infelizmente ‘Like Someone in Love’ não tem a profundidade intelectual de ‘Cópia Certificada’. O filme é muitas vezes belo de se ver, mas existe um limite no que toca a cenas onde as personagens andam de carro. Enigmático e aborrecido até graus desesperantes, ‘Like Someone in Love’ vê Kiarostami a patinar.

‘DA-REUN NA-RA-E-SUH’

Num país que não é o seu, uma mulher que não é ao mesmo tempo verdadeiramente a mesma nem verdadeiramente a outra, encontrou, encontra e encontrará no mesmo local as mesmas pessoas que a farão viver a cada uma das vezes uma experiência inédita.
Existem duas maneiras de ver ‘Da-reun Na-Ra-e-suh’: como três curtas-metragens separadas que por coincidência se passam na mesma cidade e tem sempre uma mulher chamada Anne (Isabelle Huppert). Outra das formas, que pode não ser aparente até ao fim do filme, é que as histórias se passam todas ao mesmo tempo, dando a ideia de que as Annes que surgem são a mesma pessoa, um mulher que está a aprender a lidar com perdas que foi encontrando na vida. ‘Da-reun Na-Ra-e-suh’ é um filme que irá inspirar debates e conversas. Nada é transparente – tirando a forma como as personagens interagem umas com as outras – e a audiência tem que chegar às suas próprias conclusões. ‘Da-reun Na-Ra-e-suh’ é um filme calmo, mas que irá deixar a audiência a pensar e moer a ideia de personalidade e perda.

CANNES 2012 – DIA 22 DE MAIO

‘Killing Them Softly’ de Andrew Dominik – que inicialmente se intitulada ‘Cogan’s Trade’, foi exibido ontem, dia 22 de Maio, no Festival de Cannes. ‘The Angels’ Share’ é o novo filme de Ken Loach, que já é um dos habituais nos Festivais de Cannes. Em 2006 venceu a Palma de Ouro com ‘The Wind That Shakes the Barley’; esteve presente em 2009 e 2010 na secção Em Competição, com ‘Looking for Eric’ e ‘Route Irish’.

‘KILLING THEM SOFTLY’

Quando um jogo de poker ilegal é desmantelado, é todo o mundo de níveis baixos da cambada que fica ameaçado. Os grandes da Mafia recorrem a Jackie Cogan para encontrar os culpados. Mas entre comanditários indecisos, burlões, assassinos cansados e os que tramaram, Cogan vai ter problemas em manter o controlo de uma situação que degenera…
Este é um daqueles filmes que se vai revelando por camadas – violência com muito estilo, diálogos penetrantes, e o ocasional banho de sangue, um pouco à Scorsese. Mas nunca foi intenção assemelhar-se a um filme de Scorsese, ou de Tarantino – apesar das cenas iniciais nos obrigar a fazer tais comparações. A surpresa é que o filme acaba por não ser nada esse género. Este não é um filme sobre violência furtuita e disparatada. Nem é um filme sobre a máfia. É um filme sobre terminarmos o nosso trabalho, de forma rápida e suja, tudo por uma recompensa choruda. No fundo é um declamação raivosa sobre o estado atual dos Estados Unidos.

‘THE ANGELS’ SHARE’

Em Glasgow, Robbie, um jovem pai de família, é constantemente apanhado pelo seu passado de delinqüente. Cruza o caminho de Rhino, de Albert e da jovem Mo quando, como eles, escapa por pouco à prisão, sendo no entanto punido com uma pena de trabalhos de interesses gerais. Henri, o educador que lhes foi atribuído, torna-se então o seu novo mentor iniciando-os secretamente… na arte do whisky! De destilarias a sessões de provas selecionadas, Robbie descobre em si um talento real de provador, conseguindo identificar pouco depois as colheitas mais excepcionais, mais caras. Com os seus três camaradas, será que Robbie se vai contentar em transformar este dom em burla, uma etapa a mais na sua vida de pequenos delitos e de violência? Ou em novo futuro, cheio de promessas? Só os anjos o sabem...

A mais recente colaboração de Ken Loach com o argumentista (roteirista) Paul Laverty é divertida, calorosa e de boa natureza. Loach tem um registro cômico – com mais piada que ‘Looking for Eric’ – que não recorre ao cinismo ou à ironia. Em muitas maneiras, este é o seu filme mais calmo e bem sucedido dos últimos anos. ‘The Angels’ Share’ poderá servir como companheiro de ‘Sweet Sixteen’, ou mesmo do seu clássico mais antigo, ‘Kes’. Em certos aspectos, ‘The Angels’ Share’ é um road movie, mesmo que sejam as personagens que sobressaiam mais nessa jornada. O toque pessoal de Loach permite que o filme nunca pareça encenado.  ‘The Angels’ Share’ tem similaridades com ‘Looking for Eric’ – tem aquela qualidade humana que é a sinceridade, e personagens que nós queremos desesperadamente que sejam bem sucedidas, apesar de alguns atos errados e más decisões. As interpretações estão fabulosas – Brannigan é um protagonista encantador, que a audiência vê a crescer ao longo do filme.

CANNES 2012 – DIA 08
No dia 23 de Maio, o oitavo dia do Festival de Cannes, foi dia de ‘On The Road’, esperado filme de Walter Salles que adapta o famoso romance de Jack Kerouac. ‘Io e Te’ foi outro dos filmes exibidos, e que marca o regresso de Bernardo Bertolucci – que já não realizava desde ‘The Dreamers’ de 2003.

‘ON THE ROAD’


Bem feito, mas vazio, ‘On the Road’ consegue capturar o espírito da américa dos anos 40, num filme centrado numa viagem pelo país, com cigarros, sexo, bebida e roubo de comida e gasolina. Infelizmente como narrativa tem muito pouco a dizer. O resultado entediante desta adaptação do famoso romance de Jack Kerouac é infeliz, mesmo tendo em conta a cinematografia fabulosa de Eric Gautier, a realização de Walter Salles e as interpretações de topo. De uma forma geral, este não é um grande filme. É repetitivo e entediante, uma cena atrás da outra, acabando por não existir distinção, muito diferente de outro road movie, Into the Wild, dirigido magistralmente por Sean Penn.

Se existe alguma coisa que afeta ‘On the Road’, é sem dúvida que o filme está repleto de cenas – sexo, drogas, ser livre – que são muito mais gratificantes se formos nós a fazê-las, do que visualizá-las na tela do cinema. A fotografia de Eric Gautier (‘Into the Wild’, ‘A Christmas Tale’) é fabulosa, mas passado algum tempo o filme parece-nos como qualquer outro road movie – não interessa o quão bonito é o cenário, eventualmente vamos querer sair do carro.  [Walter] Salles pode ter conseguido fazer uma adaptação fiel do romance de Kerouac, mas com o passar do tempo começamos a desejar por uma adaptação menos fiel e uma história mais cinemática.


‘IO E TE’

Lorenzo é um jovem solitário de 14 anos, diferente dos outros. Vai enganar os pais e faltar a uma viagem escolar de esqui para realizar o sonho de se esconder numa cave abandonada do prédio onde mora. Durante toda uma semana, poderá finalmente evitar todos os conflitos e as pressões e comportar-se como um adolescente “normal”. Quer viver no isolamento total com a sua música e livros preferidos. Mas a chegada inesperada da meia-irmã Olivia vai mudar tudo. Ela é mais velha e tem a experiência do mundo. O tempo que vão passar juntos vai inspirar Lorenzo, que um dia poderá dizer adeus à sua vida de miúdo e lançar-se na confusão da vida dos adultos.

Bertolucci continua um elegante artesão. A luz nítida e texturizada de Fabio Cianchetti, bem como a produção de Jean Rabasse, dá vida e densidade a este espaço confinado. A inquieta banda sonora  de Franco Piersanti é bem entremeada com músicas de The Cure, Red Hot Chili Peppers, Arcade Fire e David Bowie. Apesar de ser recompensador ver que Bertolucci regressa com algo significativo, este é um filme que adiciona pouco significado há já muito viajada estrada cinematográfica da solidão e confusão juvenil.

Bertolucci, bem como os atores Antinori e Falco, traçam uma relação tocante e crescente que se vai desenvolvendo: não existe uma grande amizade, não são amantes – mas estranhos aliados contra a infelicidade que o mundo lhes oferece. A última imagem é possivelmente um aceno a Truffaut, apesar do final como um todo ser um pouco apressado. Este espirituoso e forte filme de Bertolucci mostrou a Cannes que ele ainda é uma força a ser reconhecida.


E os primeiros vencedores estão sendo anunciados. O júri da 51ª edição da Semana da Crítica de Cannes, liderado por Bertrand Bonello, apresentou os vencedores deste ano, com destaque para o filme ‘Aquí y Allá’, que venceu o Grande Prémio.

LONGAS-METRAGENS

Grande Prémio
‘Aquí y Allá‘, de 
Antonio Méndez Esparza

Prémio Visionário
‘Sofia’s Last Ambulance’, de Ilian Metev

Prémio SACD
‘God’s Neighbours’, de Meni Yaesh

Prémio ACID/ CCAS
‘Los Salvajes’, de Alejandro Fadel
 CURTAS-METRAGENS
Prémio Descoberta
‘A 
Sunday Morning’, de Damien Manivel

Menção Honrosa
‘O Duplo’, de Juliana Rojas

Prémio Canal+
‘Circle Line’, de Shin Suwon


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