quarta-feira, 8 de junho de 2011

Banho de cachorro

Adorava passar a tarde olhando pela janela. Fechava uma leve cortina de renda, a fim de que pudesse se esconder, e assim podia ficar horas sentada sobre a cama, espiando tudo o que acontecia logo abaixo, alguns metros à frente. Tivera realmente muita sorte de conseguir um quarto com tão bela vista.

Gostava especialmente dos dias de calor. Ah, sim, os dias de calor. Certamente os melhores. Não se importava de cozinhar no seu próprio mundinho, desde que tivesse a chance de espiar, ainda que por pouco tempo, aquele que era a razão de seus sonhos mais lúbricos. E por isso mesmo que os dias de calor eram os melhores. Ainda mais se caíssem no sábado. É, sábado. Dia de dar banho no Buddy. É, bastante apropriado. Ah, Buddy era o cachorro.

Todos os sábados, desde que fizesse calor, era dia de banho no Buddy. Gostava de apreciar todo o ritual. Primeiro ele seguia até o gramado no fundo de sua casa, de onde podia ter uma visão completa do alto de seu quarto no andar superior da casa do terreno de trás. Geralmente ele já chegava sem camisa, apenas de shorts, descalço, com alguns apetrechos de limpeza nas mãos.

Buddy! Buddy!, podia ouvi-lo chamando. Logo vinha correndo, todo feliz e pululante, quase sem fôlego, agitando todo o seu corpo gordo e peludo. Acho que gostava do banho, era algo especial em sua vida modorrenta de cão gordo. Ele também certamente gostava de banhar o cachorro. Era só ver como brilhavam seus olhos e como se mostravam seus dentes todas as vezes que sorria. E ainda mais que os outros dois, também ela adorava o banho. Poderia passar o dia todo assistindo aquilo.

Que segredo mais bem guardado é o das atividades praticadas por uma adolescente durante as muitas horas que passam trancadas em seus quartos. Muitas coisas deviam passar na cabeça de seus pais. Talvez alguns telefonemas, um pouco de música, diários e Internet. Mas dificilmente alguém adivinharia o verdadeiro significado de se trancar no quarto para Amanda.

Aquele dia estava especialmente quente. Ligou o ventilador barulhento que tinha, fechou a delicada cortina de renda rosa, pegou seu pequeno binóculo de feira, na verdade o único que tinha, e iniciou a busca pelas imagens perfeitas. Às vezes tentava tirar algumas fotos, mas por alguma razão elas nunca ficavam muito boas. Tinha que se contentar com a imagem efêmera dos dias quentes.

Demorou um pouco até que ouvisse aquela voz um tanto rouca, meio que desafinada como é característico dos meninos nesta idade, gritando e chamando seu amigo Buddy. Aquele som era como que um forte trovão atravessando todo o seu corpo. Podia logo sentir sua respiração ofegante e o binóculo quase cair de suas mãos tremilicantes.

E finalmente chegou: vinha em todo o seu esplendor, deixando à vista o torso, bem branco, claro como se nunca tomasse sol, o que não era totalmente verdade. Cabelos loiros, bem curtos, espetados. Olhos azuis, mas não claros, eram escuros, profundos. Cílios bastante longos. Era assim que vinha. Carregando Buddy pela coleira, quase abraçado ao amigo.

Andaram um pouco pelo gramado, brincando e rindo bastante, como de costume. Pararam próximos à cerca de madeira escura onde havia um gancho com uma corda curta no qual Buddy era geralmente preso para o banho. Tinha os pelos já meio encardidos, o focinho sujo de terra, e um rabo que não era capaz de aquietar-se por um segundo que fosse.

Atravessou o gramado até a torneira onde estava a mangueira, abrindo-a completamente para um forte esguicho de água. Neste momento ouviu alguém chamando, provavelmente sua mãe. Sim, era a mãe. O almoço devia estar na mesa já. Abaixou a cabeça tristemente por alguns segundos, até que resolvesse dar uma última olhada na figura platônica de seu amor antes de ir almoçar.

Olhou, olhou, mas não viu nada. Onde teria se enfiado aquele moleque? Resolveu arriscar-se um pouco mais, abrindo a cortina e metendo a cara pra fora da janela. Olhou para os lados, viu Buddy que pulava agitadamente, mas nem sobra de Tony. Numa última tentativa, resolveu colocar metade do corpo para fora e olhar para baixo, mais próxima da cerca que separava os terrenos.

Assim que o fez, viu algo pulando de uma só vez:

- Ah, eu sabia que você tava aí me espiando! – disse Tony, quase gritando com a mangueira ainda aberta apontando para cima, fazendo jorrar um jato de água bem na cara de Amanda.

Com o tremendo susto que levou, a menina caiu para trás, em sua cama, toda encharcada e gritando feito uma doida. Levou alguns segundos para se refazer, mas logo se levantou, quase pulando para fora da janela, com os olhos esbugalhados, o rosto vermelho, a respiração ofegante e a voz mais esganiçada do que nunca:

- Escuta aqui, moleque! Você acha que pode ir jogando água nas pessoas assim, sem mais nem menos? Mas você vai ver o que…

- E você acha que pode ir espionando as pessoas assim sem mais nem menos?

- Eu não tava te espionando. É que eu gosto de ver seu cachorro… Só isso. – com a voz mais baixa, e o olhar para baixo, quase apagado de tanta vergonha.

- Você não quer vir aqui me ajudar a terminar o banho?

- A gente, no banho? Eh, dando banho? Quero dizer, o banho…

- No Buddy. Quer me ajudar a dar banho nele? Já to quase terminando, mas…

- Hum... Minha mãe tava me chamando pra almoçar. Acho que não vou poder agora.

- Hoje à tarde o pessoal vai nadar no riacho. Você não quer ir comigo?

- Ah, mas eu nem sei nadar muito bem, e…

- Tudo bem. Você pode ficar na torcida. – e deu um sorrisinho maroto para ela.

- Então, até mais. Tchau.

Foram alguns dias em sua contagem mental (na verdade apenas umas 3 horas), até que ouvisse a voz rouca lhe chamando lá na porta da frente de sua casa. Desceu correndo, quase que pulando todos os degraus da escada de uma só vez, e atirou-se sobre a porta. Deu uma longa respiração, tentando esconder o nervosismo do primeiro encontro, e virou lentamente a maçaneta, revelando a imagem que tanto aguardava.

Após 3 longas horas, as quais ele passou contando minuto após minuto, estava pronto para ir à casa dos vizinhos. Tomara logo dois banhos, primeiro um no chuveiro e depois um de perfume, trocou-se e seguiu para lá. Andava rápido, quase tropeçando. Não sabia se eram as pernas ou as mãos que tremiam mais. Seus olhos piscavam compulsivamente, e o tempo todo ficava pensando no que diria quando chegasse. Viu a porta, e única coisa que conseguiu escapar de sua boca foi o nome dela: Amanda!- gritando nervoso, esperando ansiosamente a porta se abrir e revelar a imagem que tanto aguardava.

Seu estômago quase explodiu ao vê-la saindo. Só conseguia pensar em como queria se afogar nas ondas douradas de seus longos cabelos. Deu um de seus sorrisos, ao que ela logo retribuiu, e saíram em direção ao riacho, afinal, era quente o dia, e as crianças brincavam todas no campo.

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